A legenda das cores na geopolítica do poder

Autor: Ricardo Ali Abdalla

Introdução

Desde o início da aventura humana os mapas ajudam a contar essa gigantesca epopeia, seja nos desenhos rupestres que se multiplicam em cavernas, antes ocupadas por nossos antepassados, seja nos modernos sistemas de navegação apoiados em dados de satélites, o GPS. Um simples ato de indicar para alguém que está perdido, o caminho para se chegar a determinado lugar pode ser considerado como a elaboração de um mapa, a partir de referências mentais. Exercitamos isso todos os dias por nossos caminhos.

Ao longo da nossa história os mapas foram fundamentais para o estabelecimento de limites e territórios de pertencimento. Produzidos por renomados cartógrafos e publicados por inúmeros editores, esses instrumentos essenciais para o conhecimento do mundo ganharam notoriedade significativa, em termos de quantidade e qualidade, com sua inclusão em edições sucessivas de atlas, catálogos e coleções que abordavam relatos de viagens, entre outras tantas obras literárias. Ora esses mapas tinham informações técnicas e precisas, sendo fundamentais para a navegação marítima e identificação de territórios, ora seriam para ilustrar o conteúdo textual (daí o título do presente trabalho). A partir de uma obra repleta de mapas ilustrativos que foi proposto este estudo.

Ao pesquisar um pequeno mapa de Diu, a partir do qual era necessário identificar autor, obra onde foi publicado e informações a respeito dele, que se chegou à grande obra “Histoire Générale des Voyages...” de Antoine François Prévost – L’ABBE Prévost. Publicada em 1746, essa obra tem como ilustrações, diversos desenhos e mapas produzidos pelo cartógrafo francês Jacques-Nicolas Bellin. Na pesquisa sobre Bellin, foi possível identificar uma extensa produção de mapas sobre praticamente todas as localidades do mundo, muitos deles reproduzidos por outros cartógrafos de diversas nacionalidades. Um desses mapas chamou a atenção. Trata-se de um mapa da região do Golfo do México, onde é possível ver todas as ilhas caribenhas, as costas das três américas circundantes do golfo e do qual Bellin fez três versões diferentes. Duas delas apresentam legenda indicativa de cores identificadoras de territórios pertencentes às nações que dividiram a região após a Guerra dos Sete Anos[1]. Uma vez que a aplicação de cores aos mapas é algo feito posteriormente à impressão do próprio mapa, em grande medida para efeito artístico, ter em uma impressão original essa indicação é algo novo a ser verificado. Desse ponto em diante encontrou-se uma grande quantidade de mapas da mesma região, com diferentes abordagens de linguagem e origens e esclarecedores para as questões essenciais ao se estudar mapas: Quem fez? Por que fez? Como fez? Para quem fez?


 

Um território em disputa

            Um lugar: o Golfo do México. Um mapa: Carte Reduite du Golphe du Mexique et des Isles de l´Amerique, publicado em 1749. Um autor: Jacques Nicolas Bellin. Um diferencial: a inclusão de uma legenda de cores específicas a serem aplicadas para identificação de possessões territoriais de países da Europa naquela região. (Fig. 1, 2 e 3)

Fig. 1 – Carte Reduite du Golphe du Mexique et des Isles de l´Amerique – Bellin, 1749

Fig. 2 – Cartucho com a legenda de cores

Fig. 3 - Detalhe da legenda


Interessante foi notar que, da vasta produção de mapas de Bellin[2], apenas os que se referem ao Golfo do México apresentam tal recurso. E, em especial o mapa acima, tem 3 versões diferentes. Além desta, uma outra versão do mesmo ano, porém editado um ano após a morte de Bellin em 1773, com cartucho diferente mas com mesma legenda de cores e um de 1764 sem a legenda de cores e mais simplificado em termos de informação técnica. (Fig. 4, 5, 6 e 7)

Fig. 4 – Mapa de 1749 e editado em 1764 com legenda de cores


Fig. 5 – Cartucho do mapa de 1749 

Fig. 6 - Detalhe da legenda de cores




Fig. 7 – Mapa de 1764 sem legenda e sem os mesmos detalhes dos anteriores

Além de Bellin, uma série de cartógrafos se dedicou a mapear a região do Golfo com variadas abordagens. O mais antigo dos mapas encontrados que faz uso desse tipo de legenda de cores foi elaborado por Philippe Buache em 1724. (Fig. 8 e 9)



Fig. 8 – Mapa de Buache editado em 1724.



Fig. 9 – Detalhe da legenda adotada por Buache.

Curioso notar que, além de especificar as cores correspondentes às possessões europeias na região, o autor também informa que “as partes sem cor não pertencem a nenhuma Nação”, desconsiderando completamente os povos nativos que por ventura ocupavam essas áreas “não coloridas”. Na visão de mundo do europeu relativo à América, o que não lhe pertence, não pertence a ninguém.

Comparando os mapas de Buache e Bellin pode-se notar que a escolha das cores que ambos fazem segue a mesma ordem definida inicialmente por Buache.


Buache

          Azul – Franceses

          Vermelho – Espanhóis

          Amarelo – Ingleses

          Verde – Holandeses

          Purpura – Portugueses

Bellin

          Azul – Franceses

          Vermelho – Espanhóis

          Amarelo – Ingleses

          Verde – Holandeses

          Laranja – Dinamarqueses


 A exceção está no fato de Buache incluir em sua legenda uma cor relativa às terras pertencentes a Portugal, já que a abrangência de seu mapa vai até -2 graus latitude sul, inclui parte da foz do Rio Amazonas, onde se vê Belém e toda a costa atlântica do estado do Amapá, até a foz do Rio Oiapoque ou de Vincent Pinzon, no Cabo Dorange. (Fig. 10)



Fig. 10 – Detalhe da extensão do mapa de Buache

Mais curioso é esse pedaço do mapa parecer um pequeno enxerto no mapa maior, como que tivesse sido feito a posteriori do mapa propriamente dito. Provavelmente isso serviu para especificar mais detalhadamente o limite do território que viria a ser a Guiana Francesa, entre Brasil e o limite do território Holandês. (Fig. 11)



Fig. 11 – Evidência de alteração posterior à feitura do mapa

Bellin, por sua vez, limita seu mapa até 9 graus latitude norte, o que excluiu as partes de pertencimento a Portugal, mas incluiu a Dinamarca na partilha da região.

Usar cores para identificação de territórios não é necessariamente uma novidade introduzida por Buache, nem tampouco se trata de uma exclusividade do famoso cartógrafo francês em mapas do Golfo do México. Há uma infinidade de mapas ricamente decorados e colorizados que ilustram diversas publicações. Verdadeiras obras de arte, raros são os casos nos quais se identifica o autor da colorização. No caso da região em questão, foram encontrados vários mapas de diversos autores que, em muitos casos, lançam mais dúvidas do que esclarecimentos a respeito das possessões no Golfo do México. Cada autor, à sua maneira e interesse, propõe uma simbologia que sequer sugere uma ordenação ou referência fundamentada para a delimitação territorial.



Fig. 12 - Insulae Americanae in Oceano Septentrionali cum Terris adiacentibus

Autor: Willem Janszoon Blaeu – Amsterdam / 1635

 


Fig. 13 - Pascaerte Van Westindien De Vaste Kusten En de Eylanden

Autor: Pieter Goos: Amsterdam / 1666

 


Fig. 14 - Insulae Americanae in Oceano Septentrionali ac Regiones Adiacentes, a C. de May usque ad Lineam Aequinoctialem Autor: Nicholaus Visscher: Amsterdam / 1680 (1708)

 


Fig. 15 - Teatre de la Guerre en Amerique telle qu'elle est a present Possedee par les Espagnols, Anglois, Francois, et Hollandois, &c. Nouvellement mis au Jour . . . Autor: Pierre Mortier: Amsterdam / 1705

 


Fig. 16 - A Map of the West-Indies or the Islands of America in the North Sea; with ye adjacent Countries; explaining what belongs to Spain, England, France, Holland &c

Autor: Hermann Moll: London / 1715



Fig. 17 - Teatre de la Guerre en Amerique telle qu'elle est a present Possedee par les Espagnols, Anglois, Francois, et Hollandois, &c. Nouvellement mis au Jour . . .

Autor: Jean Covens  &   Pierre Mortier: Amsterdam / 1715

 


Fig. 18 - Regni Mexicani seu Novae Hispaniae Ludovicianae N. Angliae, Carolinae, Virginia, et Pennsylvaniae

Autor: Johann Baptiste Homann: Nuremberg / 1720

 


Fig. 19 - Mappa Geographica, Regionem Mexicanam Et Floridam Terrasque adjacentes, ut et Anteriores Americae Insulas, Cursus itidem et Reitus Navigantium versus flumem Missisipi . . .

Autor: Tobias Conrad Lotter: Augsburg / 1740



Fig. 20 - Mappa Geographica Complectens I. Indiae Occidentalis Partem Mediam Circum Isthmum Panamensem [Large Inset of St. Augstine, Florida]

Autor:  Homann Heirs: Nuremberg / 1740

 

Os mapas apresentados são apenas uma pequena amostra da grande quantidade de mapas que retratam a região. Mas por que o Golfo do México? Depois da chegada de Cristóvão Colombo, em 1492[3], e o estabelecimento das primeiras feitorias da região, o Golfo do México se tornou uma das principais rotas marítimas e comerciais do mundo, através das quais fortunas em ouro, prata e escravos eram transportadas, razão pela qual passou a ser disputada por várias nações europeias. Possivelmente essa pode ser a explicação para a grande produção cartográfica da região e as diversas “interpretações” sobre a divisão das terras entre as então potências europeias. O que intriga, ao ler mapas de um modo geral, são justamente essas tais interpretações retratadas na colorização dos mapas. A partir que quais referências são estabelecidos os limites territoriais que norteiam a colorização de mapas? Uma vez que a colorização é feita posteriormente à edição do mapa, e não se tem referências de que isso era feito pelo próprio cartógrafo, como saber até onde vai o limite de um território? A questão nos parece relevante especialmente por se tratar de uma região de conflito e com muitos interesses em jogo. Tomando por base apenas os mapas apresentados, não se consegue identificar uma lógica que justifique as divisões territoriais nem a quem os territórios pertencem, ainda que não explicitamente, salvo algumas exceções. A toponímia é um recurso para esse fim. Com diferenças de tamanho de letras, é possível identificar uma certa “hierarquia” entre os nomes descritos nos territórios. Via de regra, os acidentes costeiros têm as menores letras e isso uniformiza a linguagem geral. Há um tamanho intermediário de letra que designa uma região e um tipo maior de letra que indica um território. Para fins de compreensão semântica, entende-se que um território pode ser composto de mais de uma região. No caso dos territórios, que é o foco desta leitura, há termos como “Nova Hispania”, “Nueva Castilha”, “Nueva Andaluzia”, “Canada Nova Francia”, “Louisiania French”, “Florida English”, “Virginia”, “Govern de Popayan”, que podem contribuir para a delimitação de um território, entretanto os limites nem sempre estão explícitos no desenho, ou são muito diferentes a ponto de confundir o entendimento.

Dos mapas apresentados, apenas as Figuras 12 e 13 não apresentam claros limites internos dos territórios e a colorização de ambos não parece ter sido feita a partir de referências territoriais, sendo apenas reconhecível a indicação toponímica como diferencial entre territórios. Já os demais mapas apresentam delimitações internas que permitem identificar os territórios, entretanto, com variações de dimensão e legenda que torna difícil a compreensão de a qual país pertence cada parte. Cabe destacar que os mapas das figuras 15, 16, 17 e 18 tem no seu título a designação de serem indicativos das terras pertencentes a Espanha, Inglaterra, França e Holanda, sem, contudo, guardarem entre si semelhança das áreas propriamente ditas. Além disso, não há nenhuma indicação de como deveria ser a representação colorida para cada pais detentor de territórios na região. Apenas o mapa da figura 20 relaciona as possessões apenas das ilhas em seu cartucho lateral direito. (Fig. 21)



Fig. 21 - Detalhe do cartucho indicativo das Ilhas e seus respectivos “donos”.

Em algum momento da história desse mapa alguém marcou os nomes dos países europeus com certas cores e as aplicou no mapa todo, mas também desta feita, sem relação adequada entre as cores escolhidas e as que foram aplicadas.

Os mapas de Buache e Bellin se diferenciam dos demais exatamente por terem legenda impressa especificando cores para cada país ser relacionado com um território do Golfo, fosse ele uma ilha ou terra firme. O mapa de Buache, que parece ter sido pioneiro nesse caso, por si só não facilitou muito, ao ilustrador que aplicou as cores, definir até onde iria cada território. Não há indicação de linhas limítrofes na impressão. Destaca-se o Rio Mississipi que, segundo sua cor – azul, pertence à França e está muito detalhado em termos de percurso e afluentes, mas é só. No restante, nem a toponímia serve como indicativo de limites e fronteiras já que se limita à denominação dos acidentes costeiros e alguns poucos nomes mais destacados. Novamente aqui vale salientar uma diferenciação que o autor faz. As terras de França e Espanha têm topônimos iguais (“Mexique ou Nouvele Espagne” e “Louisiane”, além de “Terre Firme”), quer dizer, têm o mesmo tamanho. Já as designações dos territórios Ingleses, na península da Flórida, são escritas em caixa bem menor, ainda que em outros mapas apareçam em mesma grandeza que as demais. Aparentemente a rivalidade histórica entre franceses e ingleses ganha representação cartográfica.

Bellin, por sua vez, não é mais preciso do que Buache no estabelecimento dos limites territoriais. Nem mesmo a Ilha de Santo Domingo, dividida entre França e Espanha, apresenta uma linha demarcatória da divisa. Porém, a toponímia de Bellin segue em outra direção. Todos os territórios reconhecidamente pertencentes a países da Europa, apresentam a mesma linguagem “hierárquica”. Mas apenas isso. Junto com este mapa, Bellin publicou um documento no qual ele esclarece as diferenças de medições entre seu trabalho e o do cartógrafo britânico Henry Popple, provavelmente um desafeto do Francês.

Fig. 22 – Capa do texto explicativo de Bellin

Bellin usa argumentos técnicos e de referências de medições de outros navegadores, notadamente espanhóis, para expor a inconsistência e falta de precisão das medidas de latitude e longitude utilizadas por Popple em seus mapas da região do Golfo do México, desqualificando-os e sugerindo o risco para a navegação se forem seguidos à risca. Bellin chegou a produzir um mapa de sobreposição entre o seu referencial e o de Popple, que serviu para demonstrar sua teoria sobre os equívocos do cartógrafo inglês.

Neste mapa Bellin utiliza novamente uma legenda de cores, agora para identificar os dois contornos, conforme se verifica no cartucho. O contorno vermelho corresponde às medições adotadas por Bellin, e cujo desenho se encontra perfeitamente enquadrado dentro das margens do mapa. Já o contorno amarelo, que representa as coordenadas adotadas por Popple, colocam toda a região “perigosamente” fora das referências adotadas pela maioria dos navegadores da época.



Fig. 23 – Sobreposição de mapas de Popple e Bellin.

 

Se o texto de Bellin é bem detalhado quanto aos aspectos técnicos de coordenadas e referências de navegação, é omisso no que se refere ao uso das cores definidas na legenda (mapa da figura 1), para fins de identificação dos territórios pertencentes aos países europeus. Como os demais mapas, a inserção das cores ficou a cargo de quem assim o fizesse, não necessariamente a partir de diretrizes específicas para isso, nem tampouco pelo próprio autor do mapa. O “ilustrador desconhecido” tinha meios para fazer a representação que melhor lhe conviesse, não necessariamente a mais correta. Cabe lembrar que, ao longo do século XVIII a região do Golfo do México foi palco de diversos conflitos e disputas por territórios e controle de rotas comerciais. Tanto isso é importante que a quase totalidade dos mapas da região e desse período, inclui as rotas dos galeões espanhóis e seus principais portos de atracadouro. Neste sentido, seria de se esperar que mapas como os de Bellin e Buache, pela “sofisticação” de possuir uma legenda específica para delimitação de territórios, fossem mais precisos na definição desses territórios e fronteiras.

Dentre os diversos conflitos nos quais a região do Golfo do México esteve envolvida, pode-se destacar a guerra da sucessão Espanhola, de 1701 a 1714, que envolveu interesses comerciais no Golfo[4], e a Guerra dos Sete Anos, entre 1756 a 1763, esta sim com enorme impacto da geopolítica da região. A guerra se constituiu de diversos conflitos em âmbito mundial, porém, o que nos interessa foi a disputa entre França e Inglaterra pelo controle das rotas comercias e marítimas da Índia e da América do Norte, especificamente na área continental dos futuros Estados Unidos e na região do Golfo do México. Em 1763 foi assinado o Tratado de Paris, pondo fim à guerra e definindo os termos de uma nova ordem geopolítica global. Juntamente com a Prússia, a Inglaterra foi grande vencedora do conflito, ampliando sua área de controle e influência, tanto na índia quanto na américa do Norte, o que formou a base do Império Colonial Britânico.

A partir da assinatura do Tratado de Paris[5], Robert Sayer[6], editor britânico, publicou em Londres uma série de três mapas do Golfo do México que indicavam uma nova distribuição dos territórios da região e uma outra linguagem cartográfica. Vamos destacar dois. O primeiro de 1763, no qual o autor especifica, em textos enxertados no corpo do mapa, reivindicações de áreas específicas que pertenciam à França e que, após o tratado de Paris, deveriam ser revistas ou entregues à coroa Britânica, como por exemplo a diminuição da área da Louisiana, ou apenas áreas consideradas usurpadas pela França e que deveriam voltar à posse da Inglaterra. Há demarcação das fronteiras entre os territórios, por meio de linhas pontilhadas, e a indicação toponímica de cada um desses territórios. Há também uma tabela que relaciona todos os territórios da região e a quais nações europeias elas pertencem. No caso da França estão listados “Louisiana” e “Canada or New France Proper”. (Fig. 24 e 25)

 


Fig. 24 – Mapa de 10 de fevereiro de 1763 após tratado de Paris que pôs fim à guerra dos sete anos.

 


Fig. 25 – Detalhe da relação de territórios

Uma segunda versão deste mesmo mapa foi editada, também por Sayer, desta feita com algumas mudanças cruciais: primeiro foram retirados os textos explicativos originais e incluídos diversos artigos do tratado de Paris que diziam respeito aos interesses Britânicos na região e que estabeleciam as dimensões dos territórios que passaram a pertencer à Inglaterra. Foram os artigos IV, V, VI, VI, IX, XVII e XVIII que, por serem parte de um tratado, oficializaram o que estava sendo reivindicado nos textos do mapa anterior, entretanto, agora com peso de lei. Em segundo, na relação dos territórios atribuídos à França, não constava mais o Canada, restando apenas a Louisiana. (Fig. 26 e 27)



Fig. 26 - Mapa de 10 de fevereiro de 1763 após tratado de Paris que pôs fim à guerra dos sete anos.

 


Fig. 27 – Detalhe da relação de territórios modificada

Vale chamar a atenção para um detalhe. O nome de ambos os mapas inclui a explicação de tratar-se de um “Novo Mapa da América do Norte com os Domínios de Ingleses, Franceses, Espanhóis, Holandeses e Dinamarqueses e as Ilhas das índias Ocidentais”. 

            Com o fim da Guerra da Independência Americana, em 1776, uma nova versão desses mapas foi publicada novamente por Robert Sayer e ampliada para conter a divisão das 13 colônias americanas e a inclusão do artigo XX do Tratado de Paris.



Fig. 28 – Mapa de 1777, publicado por Sayer

            Vale destacar que no cartucho do título já não consta a designação de nenhum outro país da Europa citado nos mapas anteriores. Refere-se à divisão definida pelo Tratado de Paris, mas destaca apenas as províncias e colônias que compõe o Império Britânico. (Fig. 29) Com o nome de “A New and Correct Map of North America, with West India Islands. Divided according to the last Treaty of peace, concluded at Paris, 10, Feb. 1763, wherein are particularly Distinguished,

The Several Provinces and Colonies with Compose the British Empire…” (grifos nossos) este mapa deixa clara a intensão da publicação: muito além de um referencial para navegação e geografia, era não dar margem a dúvidas quanto à distribuição dos territórios das américas e a quem pertenciam. Por se tratar de uma publicação Britânica, a quem o resultado do Tratado de Paris foi amplamente favorável, não seria de esperar outra coisa, a não ser o destaque em mapa do que interessava ao Império, em detrimento do que seria de interesse geral.



Fig. 29 – Cartucho de título do mapa sem citar os demais países que assinaram o Tratado de Paris de 1763

           

            Uma versão anterior desse mapa, autoria de Emanuel Bowen e John Gidson, publicado em 1763 em Londres, ainda continha, em seu cartucho, os dizeres “An Accurate Map of North America Deferibing and Distinguishing the British, Spanish and French Dominions on this great Continent, according to the Definitive Treaty Concluded at Paris 10 Feb. 1763[7]”. O “Novo Mapa Correto da América do Norte...” foi editado a serviço de interesses geopolíticos do Império Britânico. Não que isso fosse uma novidade, já que, modo geral, os mapas podem ser vistos e lidos, como documentos geopolíticos. Neste caso a forma como este uso fica claro é distintiva deste mapa.

 

Considerações finais

            Desde muito cedo o homem registra a sua passagem pela Terra de diversas formas. As pinturas rupestres, ou registros rupestres, encontrados em muitas cavernas pelo mundo, são os exemplos mais antigos dessa história. Com representações de pessoas, plantas e animais, esses códigos antigos podem ser considerados os primeiros mapas feitos pelo ser humano. Por retratarem em grande medida, cenas de caça, pode-se supor serem animais existentes nos arredores de onde a pintura foi feita, sendo assim, um “mapa de caça”, informação fundamental para a sobrevivência de um povo nômade por essência.

Vários outros suportes serviram para o registro dessa história, sendo o uso de maior importância a demarcação do seu território e os diversos caminhos percorridos pelo homem. É justamente com essa finalidade que os mapas mais se destacaram. Mesmo aqueles que foram, e ainda são produzidos para uso em navegação, representam os territórios a partir da identificação de a quem aquela terra pertence.

Com a expansão marítima da Europa e intensificação dos conflitos entre nações pela posse de terras e controle de rotas comerciais, aumentou a necessidade de documentos que permitissem a identificação das zonas em disputa e de quem era a supremacia territorial. Em um tipo de “Guerra de imagens”, ou versões, os confrontantes tratavam de divulgar mapas que tendiam a ser favoráveis a seus interesses, em detrimento aos do(s) inimigo(s). Grã-Bretanha e a França protagonizaram, por diversas ocasiões, conflitos que resultaram em divisão de territórios e protetorados, que uma forma ou outra, eram refletidos em mapas, publicados por ambos, mas com interpretações diversas. A título de exemplo, um mapa do Golfo do México, feito por Bellin, em 1743, mas publicado somente em 1878 por Impr. De Monrocq (Paris), portanto 106 anos após a morte do autor, relaciona, por meio de uma legenda de cores, a Louisiana como pertencimento de França. (Fig. 30 e 31)

 


Fig. 30 – Mapa de Bellin, editado em Paris, 106 anos após sua morte.



Fig. 31 – Detalhe da legenda que indica as cores relativas aos territórios pertencentes à França

 

Ocorre que esse território foi comprado pelos Estados Unidos, à França de Napoleão, em 1803, por 15 milhões de dólares, à época[8]. Mesmo publicado 75 anos depois da oficialização da “venda”, uma publicação francesa insistia em afirmar que a Louisiana ainda pertencia à França. Editores franceses publicavam mapas que favoreciam seus interesses e reivindicações, assim como os editores Ingleses, os interesses do mundo anglófono. Do uso de legendas de cores à inserção de termos de um tratado de paz, a linguagem simbológica dos mapas foi um importante instrumento para uma nova forma de disputa que continuou sendo travada, não mais nos campos de batalha, mas em outra esfera: a da “Ideologia Cartográfica”. Percebe-se, portanto, que o que está em causa, para as diversas nações envolvidas nas disputas pelos territórios da região, não é simplesmente uma representação de território, mas a sua própria configuração espacial, tendo os lugares como expressão legitimadora do exercício do poder.

 

Referências

Sites da Internet

https://pt.wikipedia.org/wiki/Era_dos_Descobrimentos acessado em 14/06/2017

https://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_da_Sucess%C3%A3o_Espanhola, acessado em 107062017

https://openlibrary.org/books/OL3673519M/The_French-Indian_War_1754-1760, acessado em 10/06/2017

http://www.npg.org.uk/collections/search/person/mp63126/robert-sayer

 

Bases cartográficas digitais

 

www.gallica.bnf.fr

www.npg.org.uk

www.raremaps.com

www.loc.gov

 

Bibliografia

 

Bellin, Jacques-Nicolas. Observations sur la carte du golfe du Mexique et des isles de l'Amérique, dressée au Dépôt des cartes , plans et journaux de la Marine, pour le service des vaisseaux du Roi... en 1749. Disponível em http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k1075116v?rk=21459;2

 

Fisher, Susanna. "Sayer, Robert". Oxford Dictionary of National Biography (online ed.). Oxford University Press. doi:10.1093/ref:odnb/50893. Acessado em 30/04/2017.

Marston, Daniel. The Seven Years' War: Essential Histories. Oxford, UK: Osprey, 2001.

PREVOST, Antoine François. Histoire générale des voyages, ou Nouvelle collection de toutes les relations de voyages par mer et par terre qui ont été publiées jusqu'à présent dans les différentes langues. Tomos 1 a 20. Disponível em http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k201024v?rk=407727;2

Szabo, Franz A.J. The Seven Years' War in Europe 1756–1763. Longman, 2007.

 

Lista de mapas

 

Mapa Fig. 1 – http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b530530269?rk=42918;4

Mapa Fig. 2 – http://catalogue.bnf.fr/ark:/12148/cb438302202

Mapa Fig. 7 – http://catalogue.bnf.fr/ark:/12148/cb43826668d

Mapa Fig. 8 – http://catalogue.bnf.fr/ark:/12148/cb438219143

Mapa Fig. 12 – http://www.raremaps.com/gallery/search?search_term=50063

Mapa Fig. 13 – http://www.raremaps.com/gallery/search?search_term=014ms

Mapa Fig. 14 – http://www.raremaps.com/gallery/search?search_term=49081

Mapa Fig. 15 – http://www.raremaps.com/gallery/search?search_term=40887

Mapa Fig. 16 – http://www.raremaps.com/gallery/search?search_term=33849ct

Mapa Fig. 17 – http://www.raremaps.com/gallery/search?search_term=40293

Mapa Fig. 18 – http://www.raremaps.com/gallery/search?search_term=41252

Mapa Fig. 19 – http://www.raremaps.com/gallery/search?search_term=36658

Mapa Fig. 20 – http://www.raremaps.com/gallery/search?search_term=39670

Mapa Fig. 23 – http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b53103249z?rk=150215;2

Mapa Fig. 24 – https://www.loc.gov/resource/g3300.np000059/

Mapa Fig. 26 – http://www.raremaps.com/gallery/search?search_term=46411

Mapa Fig. 28 – http://www.raremaps.com/gallery/search?search_term=46097

Mapa Fig. 30 – http://catalogue.bnf.fr/ark:/12148/cb40738265c

 



[1] Trata-se de uma série de conflitos internacionais que envolveram França e a Dinastia dos Habsburgo de um lado a Grã-Bretanha e seus aliados do outro. Para este trabalho interessou a disputa entre França e Inglaterra pelo controle comercial e marítimo das Índia e da América do Norte, uma vez que é nos mapas do Golfo do México que se verificou o uso de legendas para definição de limites de territórios. Para mais detalhes ler também Marston, Daniel. The Seven Years' War: Essential Histories. Oxford, UK: Osprey, 2001; Szabo, Franz A.J. The Seven Years' War in Europe 1756–1763. Longman, 2007.

[2] Apenas para citar uma das fontes digitais, na base cartográfica Gallica, da Biblioteca Nacional da França, estão catalogadas 1.367 cartas atribuídas a Bellin. Ver em http://gallica.bnf.fr/services/engine/search/sru?operation=searchRetrieve&version=1.2&startRecord=0&maximumRecords=15&page=1&query=%28gallica%20all%20%22bellin%22%29&filter=dc.type%20all%20%22carte%22%20and%20dc.creator%20all%20%22bellin%2C%20jacques-nicolas%20%281703-1772%29.%20cartographe%22

[4]  O conflito dizia respeito à sucessão do trono da Espanha que, ao seu término, entre várias concessões feitas pelo novo Rei de Espanha, estava a permissão para que a Inglaterra constituísse uma rota comercial entre suas colônias na América e a região do Golfo, além do direito de vender escravos por 30 anos no referido território. https://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_da_Sucess%C3%A3o_Espanhola

[5] https://openlibrary.org/books/OL3673519M/The_French-Indian_War_1754-1760

[6] http://www.npg.org.uk/collections/search/person/mp63126/robert-sayerFisher, Susanna. "Sayer, Robert". Oxford Dictionary of National Biography (online ed.). Oxford University Press. doi:10.1093/ref:odnb/50893.

[8] Lousiana.gov – Acessado em 10/06/2017


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