A engenharia civil como transformadora socioambiental
A engenharia civil como transformadora socioambiental
Autor: José Augusto Rocha Mendes.
“Desde os
primórdios até hoje em dia...”
(Titãs – Homem Primata)
Não é possível dissociar
a engenharia da humanidade, uma vez que ela sempre esteve presente desde o
primeiro homem que se utilizou de uma ferramenta para caçar e arar a terra,
evoluindo até o que se tem atualmente. A busca por adaptar o meio às
necessidades humanas, inicialmente feita de maneira não sistemática, evoluiu junto
com a compreensão humana das ciências naturais, levando o método às observações
feitas ao longo de gerações.
O nomadismo inicial dos
pequenos grupos de humanoides caçadores e coletores foi substituído pela
fixação em sítios, a partir do domínio das técnicas de reprodução de plantas e
da domesticação de animais no período Neolítico (cerca de 10.000 a.C.),
iniciando o que modernamente é conhecido como agricultura. Estas
técnicas parecem ter evoluído simultaneamente em diferentes regiões, tais como
Mesopotâmia (atual Iraque), América Central e nas regiões onde atualmente se
encontram a China e a Índia.
Em comum, estas
sociedades humanas mantiveram o fato de estabelecer seus núcleos às margens de
cursos d’água, insumo essencial, não só para abastecimento das comunidades,
como para irrigação, e esgotamento sanitário, além desses locais serem
considerados altamente aprazíveis, em função da sua beleza natural.
A expansão populacional
proporcionada pelas técnicas agrícolas e sedentarização dos grupos humanos atingiu
proporções inimagináveis: de cerca de 300 milhões de indivíduos por volta do
ano Zero para cerca de um bilhão de habitantes em 1800. Atualmente, estamos
atingindo a marca de 7 bilhões (com expectativa de alcançar perto de 9 bilhões
de habitantes até 2030 e cerca de 11 bilhões em 2100, mantidas as atuais taxas
de crescimento) sendo que nas últimas cinco décadas esse número praticamente
duplicou.
Figura
1: Evolução da população mundial no período 1800 - 2035 com base em projeções
da Organização das Nações Unidas (ONU, 2017)
O desafio constante da
Engenharia Civil é o de prover esta crescente população de itens que hoje são considerados
essenciais à vida cotidiana: habitação, saneamento básico, transportes e outras
facilidades que a inserção social no mundo moderno determina. Esse desafio é
grandioso e assustador, apenas em termos de moradias, segundo dados do World
Resources Institute (2017), atualmente cerca de 1,2 bilhão de pessoas - 17%
da população mundial – é desprovida de habitações em condições mínimas de
segurança e qualidade.
Em termos de saneamento
básico, o relatório conjunto publicado em 2020 pela Organização Mundial da
Saúde e UNICEF denominado “O estado do saneamento no mundo” informa que apesar
dos esforços globais para a universalização dos serviços de saneamento, dentro
dos objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS), propostos pela ONU em 2000,
que pretendia alcançar o acesso universal e equitativo à água potável para
todos, quase 1 a cada 3 habitantes ou cerca de 2 bilhões de pessoas no mundo
ainda não possuem acesso ao saneamento básico, dados evidenciados pelas implicações
e impactos sobre sua saúde.
Quando conjugados os
números dos déficits de habitação e saneamento, é fácil perceber que há um
contingente significativo da população mundial que está totalmente à margem daquilo
que conhecemos como “civilização”. Em paralelo, a ausência de condições
adequadas de subsistência dessa parcela da população também se traduz em
impacto sobre os recursos naturais disponíveis, com ocupação inadequada de
fundos de vale e várzeas dos cursos d’água. Dessa forma o risco de exposição
das populações às cheias naturais é elevado, e por vezes, há problemas com lançamento
de esgoto doméstico sem tratamento nesses corpos d’água, comprometendo sua
qualidade e inviabilizando seu uso para as necessidades primárias, além de demandar
enormes montantes de recursos públicos para uma eventual correção e mitigação
dos efeitos.
Figura
2: A realidade dos assentamentos periféricos é traduzida pela ausência de
condições adequadas de habitação e saneamento. (foto: Autor, 2019)
À Engenharia, cabe então,
buscar as soluções técnicas otimizadas, em termos de desempenho e de custos, que
permitam superar estes desafios.
Paradoxalmente, os
avanços tecnológicos obtidos em diversas áreas do conhecimento humano nas
últimas décadas irão transformar de forma substancial os meios de produção e a
forma com que iremos estruturar os núcleos urbanos num futuro próximo. O uso de
veículos autônomos não tripulados (VANTs, popularmente conhecidos como drones)
para a realização de levantamentos topográficos, vistorias estruturais e
modelamento digital de terreno (MDT), antes restritos a aplicações de grande
porte e custo, já se mostram acessíveis a quase todos os projetos e, quando
conjugados aos sistemas de posicionamento de precisão, permitem ganhos de
escala na produção e documentação do meio existente.
Figura
3: Modelo digital de terreno obtido com uso de VANT (Autor, 2021)
As experiências com
veículos autônomos aéreos para a entrega de bens e mercadorias vêm se multiplicando,
assim como o seu potencial uso para o transporte de passageiros, mesmo em
centros urbanos o que, conjugado a outras iniciativas que se encontram em
estágios avançados de desenvolvimento, certamente exigirá uma adaptação e
adequação destes centros urbanos à estas novas realidades que se descortinam
aos nossos olhos em um curto horizonte temporal.
A nós, profissionais e
futuros profissionais da Engenharia, cabe a função de sermos os catalisadores
materiais dessas necessidades e mudanças da sociedade de forma a proporcionar o
acesso universal da humanidade aos direitos e conquistas, equilibrando o
desenvolvimento social com a preservação e recuperação da qualidade do meio
ambiente. Certamente não é uma tarefa simples ou fácil, mas com certeza é
gratificante sermos esse agente transformador.





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